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13 janeiro 2010

A reflexão abaixo é de Joaquim Pinto da Silva. Foi publicada, em Dezembro passado, no quinzenário As Artes Entre as Letras. Divulgo-a aqui, com conhecimento do autor, porque a causa da aproximação de Portugal à Galiza me é profundamente grata e também porque se trata de um texto pleno de actualidade, incisivo e desassombrado que constituirá uma mais-valia para quem o ler.


Portugal e Galiza, do interdito ao crucial

- um texto incómodo (a Norte e Sul do Minho) de cultura, de política

1.
Para o comum dos portugueses, o galego e a Galiza representam uma particularidade étnica e uma região entre outras, em que uma gaita-de-foles, as Rias Baixas e um bom marisco fazem quase toda a distinção para com o restante do Estado espanhol.

Para alguns outros compatriotas, com alguma formação escolar, trazer-lhes-á uma remota ideia de uma literatura comum (a poesia trovadoresca), de algum relacionamento actual num tal de Eixo Atlântico, entremeado de alguns clichés sociais (o aguadeiro em Lisboa, o carregador na Ribeira, o trabalhador incansável) e talvez um preconceito histórico ligado a uma Mãe galega, Teresa, que perdeu uma batalha com o filho insubordinado que assumia pela primeira vez essa condição "superior" de português fundador, o "primeiro".

2.
Uma ditadura iníqua no século XX, uma Inquisição sanguinária (ainda que o Porto apenas tivesse tido um Auto-de-Fé, contrastando com as centenas em Lisboa e, sobretudo, de Évora e Goa) e um nacionalismo centralista afirmado sempre contra a imperial Castela, poderosa e ali ao lado, ajudaram a criar e a manter alguns dos grande mitos fundadores "nacionais", todavia vigentes, apoiados num desconhecimento que se encosta mais ao comodismo intelectual das ideias feitas do que a uma ignorância, também verdadeira, etária, geográfica e socialmente alastrada.

Portugal, na sua vertente histórica de Condado Portucalense, despega-se do restante da Galiza por um acto, comum à época, de afirmação senhorial em relação a um suserano de quem não poderia já tirar vantagens, antes pelo contrário, já que toda uma Reconquista para sul prometia terras a perder de vista e levas de vassalos contribuintes. Com essa independência (do Reino de Leão), que dura há quase 900 anos, em que desenvolve as suas capacidades próprias sociais, estruturais, psicológicas e linguísticas, chega ao que é hoje: senhor de uma História rica e de uma língua pluricontinental de poder crescente.

Mas a questão que sobra, ignota de muitos e relegada (por medo das consequências que poderia produzir e secundarizada pela iletrada tecnocracia vigente) é saber qual é nossa matriz cultural essencial?

Nascemos do nada? Temos Viriato (que viveu seguramente a maior parte da sua vida em território hoje de Espanha) e os lusitanos (povo do qual nem sequer sabemos a língua que falava) apresentados como substrato nacional, porquê?

Talvez a necessidade de afirmação nacional do ex-condado e do Portugal da altura obrigasse a um "desvio" no rigor dos nossos historiadores, comum a muitos povos, para fugir a uma verdade que poderia ainda abalar a nossa frágil independência? Talvez?

A "lusitanização" de que se fala com muita frequência ao norte e ao sul do Minho, foi uma etiquetagem. Os portugueses encontraram no termo "lusitano" o mito genético para construírem uma independência mais segura. Pensariam que mantendo o cordão umbilical galego estariam mais sujeitos a uma intervenção da Grande Espanha (com Castela dominadora), que tinha absorvido a Galiza a norte do Minho, pois poderia induzir-se pretensão anexionista futura.

Creio que foi esta a astúcia que permitiu justificar um Portugal, nascido do "nada" e "inventor" de uma língua que "sem origem" (a não ser o latim, apagando quase mil anos de História), e, por isso, Castela não tinha justificação nenhuma para impedir um povo/língua/cultura tão "diferente" do resto da Península, de ser independente. Recordemos, de passagem, que é o Cisma do Ocidente (1378-1417) que impondo a adaptação das estruturas eclesiásticas às estatais da altura, provoca de facto a separação política "final" entre as duas regiões.

Mas porque é que hoje, integrados numa Europa que nos garante, valha-nos isso!, a paz e a segurança internacional, não retomamos o caminho da ciência e da verdade históricas e não afirmamos sem peias que Portugal é de matriz cultural essencialmente galega?

Porque não se diz claramente que o galego é a nossa língua de partida, aquela de onde brotou a nossa variante, desenvolvida, apurada e internacionalizada, chamada português?

Porque se persiste em não explicar desde a instrução primária essa origem comum, insistindo-se em "escavar sinais" de vontade autonómica nos séculos anteriores?

As simples manobras de aproximação transfronteiriça, como muito bem assinalou Camilo Nogueira (um dos galeguistas mais esclarecidos na actualidade e que citamos aqui várias vezes), são um processo acomodatício, válido é claro para um relacionamento económico mais forte, mas que não basta para cumprir as nossas obrigações históricas e actuais, e defender o nosso passado e os nossos interesses.



3.
Nascidos antes mas estruturados nos movimentos liberais do século XIX, os Estados-nação já culminaram a sua função destruidora da diversidade política e nacional interna (CN). O conceito de que a um Estado, de fronteiras reconhecidas, corresponde uma nação de per si, com a lógica da jacobina igualdade cidadã e uma imposição de jure de uma língua comum, "aprofundando" assim a necessidade dessa comunidade linguística, "naturalmente " aceite, isto é, imposta por uma centralização, levaram, por exemplo, na França, à quase destruição, pelo menos ao aniquilamento político, da Bretanha, da Alsácia, da Córsega, do País d'Oc, e de outras nacionalidades, mais umas que outras, sobrevivendo ainda uns restos de sentimento nacional "recuperável" na ilha mediterrânica.

Em Espanha, pese os esforços de Castela, três nações conseguiram resistir até hoje, mantendo não apenas as suas línguas nacionais, mas também acesa a chama nacional e a vontade de perseguir os desígnios próprios a cada nação, a soberania à cabeça.

A ideologia "nacionalista" do Estado-nação (o pior dos "nacionalismos", porque disfarçado de supranacional) projecta sobre as nações internas a acusação de pretenderem a constituição de nações etnicamente uniformes, contrapondo a ideia de povo à de território, que seria a própria de Estados como o espanhol, que teriam assim os atributos da pluralidade, da diversidade e, incluso, da mestiçagem e da democracia (CN).

Na Galiza - ou não fosse tão igual a nós - existe uma situação de impasse, motivada, é certo, pela pressão terrorista de um centralismo avassalador, mas sobretudo por um movimento nacionalista preso a um esquerdismo - que é a doença infantil do galeguismo - que recusa abrir-se a outras camadas sociais ou que indistingue luta nacional e luta social, prejudicando gravemente um objectivo próprio, horizontal e acima de qualquer outro (acima, disse bem!), dando a volta, mas cedendo no fundo (e ainda com C. Nogueira) ao marxismo dogmático de Hobsbawn que qualifica os nacionalismos das nações sem Estado, como um fenómeno historicamente transitório, identificável com os interesses das burguesias, à maneira do que, em Portugal, deve ser o pensamento de um Bloco de Esquerda sobre esta questão, ou de outra "esquerda", mais larga e novo-rica que confunde o ser do mundo com a perda empobrecedora da personalidade própria (CN).

4.
Na Galiza, o eixo principal pelo qual a luta nacional tem de passar, e que "beneficiou" neste momento do ataque desenfreado do espanholismo linguístico (que acusou os nacionalismos de querer impedir o bilinguismo, quando o problema é exactamente o inverso) é o da língua.

O nacionalismo, presa ainda do conceito maximalista atrás citado e, nalguns sectores, ainda de um isolacionismo (bem burguês (pequeno), aliás) hesita em tomar a peito esta questão, armando-se da coragem dos Pais Nacionais do galeguismo político (primeira metade do Século XX).

Se ser nação é assumir a possibilidade de construir um Estado. mais verdade ainda é ser nação é que a língua própria seja indiscutivelmente a língua nacional" (CN). E esta, o galego só a pode cumprir cabalmente, se for aglutinadora e cimento de um povo, se se lhe der a continuidade histórica necessária, aquela que o galego enquanto tal, remetido durante muitos séculos a língua apenas oral e rural, não pôde beneficiar, mas que o galego, enquanto português, se temperou, tornando-se não apenas língua literária de larga produção mas ainda língua pluricontinental, a quinta mais falada no mundo (maternal).

Citamos o mais conhecido galeguista português, até hoje, Rodrigues Lapa:

Certos indivíduos, arvorados em linguistas, ignoram ou fingem ignorar a diferença entre vários tipos de língua: a que falamos no trato quotidiano, propriamente a fala; a que empregamos na escrita; e a que é mais elaborada e usamos na literatura. As duas pontas desta cadeia são obviamente a fala e a língua literária. Não é lícito confundi-las. O processo da língua oral é simples: uma vez lançada a mensagem, o signo é esquecido; mas o enunciado literário não morre por ter servido, "está feito expressamente para renascer das suas cinzas e tornar a ser indefinidamente o que acaba de ser", assim escreveu Paulo Valéry.
A recuperação literária do galego padece de um erro fundamental: a transplantação pura e simples da fala corrente para o texto dos livros. Não é assim que se forja uma literatura.


Considerar o galego como parte integrante do sistema linguístico galego-português-brasileiro, com o nome internacional de português, aproximar radicalmente (em sentido próprio) o galego escrito da norma portuguesa-brasileira, enriquecer a nossa língua comum dos milhares de vocábulos e expressões galegas, eis o caminho a percorrer: o que falta.

Bruxelas, 17 de Dezembro de 2009

Joaquim Pinto da Silva (galego do sul, português do norte)

30 julho 2009

A favor do Galego... na Galiza


Rosalia de Castro por Barata Feyo, na Praça da Galiza, no Porto.

O texto abaixo é de Joaquim Pinto da Silva, director da Orfeu, Livraria Portuguesa e Galega, em Bruxelas, e um activíssimo divulgador da cultura portuguesa na Bélgica há 25 anos.

A luta pela sobrevivência do galego na Galiza chegou a um ponto sem retorno. Ou a língua se impõe, aproximando-se o mais possível da escrita portuguesa (e mantendo as suas particularidades fonéticas, semânticas e mesmo sintácticas, é claro) ou definhará, morrendo.
Para nós, que sabemos (devíamos saber!) que a nossa língua provem daquela e que a desenvolvemos, afinando-a e enriquecendo-a (pela independência que os de a norte do Minho não conheceram), poderá parecer um combate estranho, mas a realidade é que, na Galiza, perdida a autonomia política há séculos e vendo as suas élites partirem atrás da corte para Madrid (e alguns para Lisboa) e sendo invadidos pelos funcionários do Estado central e da Igreja, castelhanofalantes, a situação da língua foi piorando (sem falar da similitude connosco da emigração, aos milhões, para a América do Sul, Caraíbas, etc).
No século XIX, com Rosalia de Castro, voltou a escrever-se em galego, depois de 5 séculos de oralidade, essencialmente no interior.
Hoje, com as "autonomias" da grande Espanha, a sociedade galega não tem, como a catalã ou a basca, uma burguesia nacional forte e falante da língua. Há ainda o mundo rural e um sector intelectual que pratica a língua. Aliás o número de edições em galego é espantoso, pois o esforço de escritores, editores etc, é grande, mas a língua recua.
As instituições, dominadas por centralistas (afinal o pior dos "nacionalismos" é aquele dos estados centrais), ou nem sequer usam o galego ou não dão importância ao problema.
Nós, portugueses, também ajudamos pouco, pois é comum ver compatriotas a ensaiar o seu "espanhol" em terras da Galiza (a norte do Minho), quando com a nossa língua nos poderíamos fazer entender perfeitamente.
E nao falo aqui, por desnecessário, das vantagens económicas, sociais e culturais que o uso de uma escrita comum traria para Portugal e para o mundo lusófono.
Para os mais assustadiços acrescento aqui que ninguém quer redesenhar fronteiras e que todo o galeguismo, pese as suas diferenças internas, tem uma postura cívica não violenta.
Temos agora a oportunidade de empurrar um pouco a causa do galego - que é, afinal a nossa - assinando o manifesto que se segue e passando-o (e publicando-o) por todos os meios
: http://www.peticao.com.pt/hegemonia-social-do-galego

Joaquim Pinto da Silva