15 julho 2005

Trippa alla maniera di Oporto

«Quanto è ampia, la realtà?
Quanto misura il mio mondo?»
E o que é que isto tem a ver com as tripas à moda do Porto?
Tem tudo a ver, segundo Effe, um italiano que se define como «un panificatore heideggeriano, immobile compulsivo de difficile equilibrio», mas que no fundo é um artesão de afectos na blogosfera.

Afectos que n'A Cidade Surpreendente vão mais longe, ampliando a medida do meu mundo com outras afeições penduradas na imensa rede virtual: pelo Abrupto, cujas amáveis referências concederam a este blogue uma visibilidade absolutamente inesperada; pela Cecília B. devido à garra e à densidade da sua escrita; pelo Cantamanyanes, um catalão que se exprime em português; por todos aqueles que têm chegado à Cidade por correio electrónico, vindos da Rússia, do Canadá, dos Estados Unidos, do Brasil, de Macau e doutros locais da diáspora portuguesa; e por todos os outros daqui ao pé da porta, que me dispenso de enumerar porque são da casa, cujos importantes estímulos têm contribuído para a continuidade deste blogue.

É tempo de repousar. A Cidade Surpreendente vai a banhos; regressará retemperada para o convívio no final da primeira semana de Agosto.

12 julho 2005

O Porto em pedra escura



...
Porto da minha infância!
A primeira impressão que me causaste
Tenho-a, cheia de espanto, na memória,
Cheia de bruma e de granito!
É uma impressão de Inverno,
Sombra cinzenta, enorme, donde irrompe
Alto cipreste empedernido
No meio de sepulcros habitados.
...
Teixeira de Pascoaes

11 julho 2005

Dois olhares



1 - O simpático carneiro do Passeio Alegre, que Luísa Dacosta diz ter-se agaiado e perdido do rebanho na Praia das Pastoras e ter ficado para sempre a pular em cima do Chalé Suisso.



2 - O pôr-do-sol na Avenida de Montevideu.

08 julho 2005

Dois ceramistas plastificados



Houve dois industriais de cerâmica chamados Francisco da Rocha Soares, o pai, regressado do Brasil com avultados capitais e herdeiro da Fábrica de Miragaia, e o filho, um activo empresário que desenvolveu e dirigiu várias fábricas de cerâmica no Porto. Rocha Soares Filho criou ainda uma rede de entrepostos comerciais em Lisboa, em Setúbal, no Funchal e em Luanda. Idealista, deitaria tudo a perder ao envolver-se nas lutas entre liberais e absolutistas, como militante activo da causa liberal. É portanto justa a homenagem do município ao evocar este nome naquela rua - apesar do lamentável desaparecimento do belo e evocativo topónimo Cordoaria Velha.

Lamentável é também a recente febre normativa - como se o Porto fosse a Disneylândia - das placas toponímicas da cidade, cuja expressão máxima se encontra aqui: o nome dos industriais de cerâmica, inscrito em azulejos, ocultado por uma placa de... plástico.

30 junho 2005

A Noite do Porto



Shakespeare podia ter vivido aqui. Podia
ter dançado na noite de S. João, quando o rio
transborda para as ruas nas correntes
humanas que as inundam. Podia ter escrito
nos invernos de ausência o que a noite
ensina sobre a privação. Podia ter
ensinado, à beira do cais, que o tempo lascivo
corre como a água, levando o que não há-de
voltar e trazendo o que nunca terá nome
nem corpo. As almas, que empalidecem quando
o sol poente se reflecte nos vidros,
cantam bruscamente o verão: reflexo de um
reflexo, frutos que se deixam colher pela
memória, seres sem ser que não hão-de voltar
a nascer: Mas o que ele cantou, podia
tê-lo cantado aqui. Todos os lugares são,
afinal, lugar nenhum para quem não habita
senão a própria voz: sonho de outra margem,
cantor perdido no labirinto das pontes. Perto
da foz, sem o saber; sonhando a nascente,
como se não fosse ele próprio a única fonte.

Nuno Júdice